Respeito e Compaixão – o caminho para reverter a visão distorcida de separação
“Se ainda temos de apontar para alguns grupos que devem ser respeitados e incluídos é porque estamos muito, muito distantes do coração bondoso”. A frase escrita por Monja Coen expõe com sabedoria uma ferida aberta que machuca, consome e separa cada vez mais a nossa sociedade. A necessidade de existência das atuais políticas de afirmação em defesa de grupos vítimas de violência ou preconceito demonstra o quanto ainda estamos atrasados. A questão é: se todos nós agíssemos com consciência e maturidade, tais políticas jamais deveriam existir, pois num mundo pautado pelo respeito e pela compaixão, não seriam necessárias.
Se por um lado nos gabamos de usufruir de uma tecnologia avançada, por outro lado, parece que nossa consciência, ou mentalidade, parou no tempo e não acompanhou o mesmo progresso material. Em alguns momentos, a sensação é de que regredimos. Ainda nos dividimos em grupos, vivemos e agimos a partir de uma percepção limitada e fragmentada da realidade, nos movemos dentro de “caixas” e vemos o mundo por lentes míopes que enxergam apenas duas cores e dois lados: bem versus mal. Dentro desta linha de raciocínio, prevalece a tônica do “se você pensa igual a mim, você está comigo no grupo dos bons; já se tiver uma opinião diferente da minha, automaticamente você é meu inimigo e faz parte do grupo do mal”.
Na prática, vemos este pensamento raso e distorcido tomar forma a todo o momento: nas brigas de torcidas de futebol, na violência do trânsito e, mais recentemente, nas brigas de torcidas dos partidos políticos. Ao gritar, difamar e ofender, todos, sem exceção, perdem a razão. Parece incrível, mas as pessoas não conseguem dialogar. Sempre donas de suas próprias verdades, olham apenas para o próprio umbigo, permanecem surdas ao argumento e optam pela agressão verbal ou física no lugar do diálogo.
Nos dizemos civilizados, mas estamos distantes das ideias básicas de civilidade, liberdade de pensamento e respeito ao outro, fundamentais a toda e qualquer democracia. Acima de tudo, nos mostramos intolerantes, não importa em qual “lado da trincheira” você esteja. E o problema reside aí. Na percepção da escolha de um “lado”, que mais uma vez nos separa do todo.
Mesmo em meio à atual crise climática e hídrica, preferimos o isolamento à união, afinal, é sempre mais fácil acusar e responsabilizar o outro do que assumir responsabilidades e pensar nas soluções em conjunto. A atual crise do ebola também ilustra, de maneira triste, esta situação. O vírus já existe há anos. Só passamos a nos preocupar com a sua existência, entretanto, depois que ele cruzou as fronteiras do continente africano e passou a matar e colocar em risco a vida dos “cidadãos pertencentes aos mundos desenvolvidos”.
Existe diferença entre as pessoas? O local geográfico do nascimento infere algum tipo de superioridade ou inferioridade a uma pessoa? As crianças que morrem na Síria são menos importantes do que as crianças que morrem nos EUA, na França ou no Brasil? A cor da sua pele, assim como sua opção sexual e religiosa, ainda importa e causa repulsa? Os problemas são só dos “outros” ou de “todos nós”? Às vezes me pergunto se estamos mesmo no século XXI…
Olhamos no espelho e já não nos reconhecemos mais. A imagem que ali aparece refletida parece ser bem diferente e distante da imagem dos “outros” que sofrem, que aparece refletida na TV. Pensamos que por meio da tecnologia, ficamos mais próximos uns dos outros… A verdade, no entanto, é que estamos cada vez mais distantes… Como Monja Coen bem define no texto a seguir, é preciso despertar e perceber que somos todos um só. Veja o texto na íntegra:
Texto da Monja Coen publicado no jornal O Globo de 16/10/2014
Respeito e Compaixão pelos homossexuais. Respeito e Compaixão pelas mulheres. Respeito e Compaixão pelos idosos. Respeito e Compaixão pelas crianças.
Respeito e Compaixão pelos seres humanos.
Respeito e Compaixão pela vida na Terra.
Respeitar é mais do que tolerar.
Compaixão é identificação e cuidado terno.
Quando minha mão esquerda se machuca, minha mão direita imediatamente a vai socorrer. Sem esperar nada em troca.
Porque somos um só corpo e uma só vida.
Quando iremos todos despertar?
O vírus ebola nos assusta e atormenta.
Em Dallas, o apartamento da enfermeira que tratou o paciente com ebola e se contaminou foi totalmente higienizado.
Fiquei me lembrando da hanseníase.
Havia no Japão uma ilha; chamava-se Ilha do Amor. Para lá eram levados os pacientes com hanseníase. Iam de barco. Não havia pontes, e na ilha não havia barcos. Sem retorno. Suas antigas casas e seus pertences eram queimados. Seus nomes, apagados das famílias.
Na Europa mataram o cão de uma pessoa contaminada? O cão da enfermeira de Dallas está sob observação.
Precisamos salvar a Humanidade do vírus que nos pode destruir.
Surgiu em 1977 pela primeira vez.
Até hoje sem vacina?
Mas agora, que atinge os continentes privilegiados, a vacina surge para poucos.
Alguma coisa conhecida?
No surto da Aids, houve um governo que se colocou de frente contra grandes indústrias farmacêuticas, e os medicamentos são hoje gratuitos.
Farmácia popular — que bonito.
Mas ninguém sabe, ninguém viu.
O Sol se põe dourado, mas nós não douramos as pílulas.
Ver a realidade assim como é. Sem manipular a mente de ninguém — nem mesmo a sua.
Sem ser manipulada por ninguém — a nossa mente sagrada.
Para isso é preciso despertar. Despertar é ver em profundidade. É compreender as manobras dos manobristas e se desvencilhar da visão tacanha, corrupta. Corrupta de coração rompido, de se sentir separada do todo. Em quantas corrupções você esteve envolvido hoje?
Não falar dos erros e faltas alheios é um dos Preceitos de Buda. Uma sugestão para o Nirvana, a paz sábia.
Então, vamos falar do quê?
Será que estamos o tempo todo falando mal uns dos outros? Procurando nossos eleitores? Gritando por nossos votos?
Direitos e deveres.
Dever de se perceber interconectado de forma inseparável.
Dever de desenvolver a capacidade do respeito e da compaixão por todos os seres, por cada partícula, cada onda.
Se ainda temos de apontar para alguns grupos que devem ser respeitados e incluídos é porque estamos muito, muito distantes do coração bondoso, terno, acolhedor, humilde da compaixão ilimitada.
Nós, filhos e filhas da Terra e do Sol, habitantes da Via Láctea, podemos. Podemos e devemos apreciar a vida.
Estamos sempre chegando, chegando, partindo, indo, voltando e indo novamente.
Incessante movimento — que haja respeito e compaixão no movimento quieto do nada-tudo.
Somos o todo manifesto.
Texto: Monja Coen
Texto inicial/abertura: Fernando Ferragino
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